RÉQUIEM
Já foi aurora, foi manhã e foi tarde, agora é crepúsculo, e o homem que assistiu a tudo e não semeou bem está cheio de desespero diante da noite próxima. O homem que só encontrou tempo para se encher de dinheiro e de egoísmo.
Nas candeias do pensamento, queima o óleo do pessimismo devorante e da angústia assassina, usa melancolia no coração inquieto e em torno de si só descobre amargura. Porque não fez amigos nem entre os seus mais seus.
À mesa sentou sozinho porque não interessava a comunicação, mas a gula. E no banquete não confraternizou, mas se satisfez. E ignorou a companhia mais próxima.
À fonte dos desejos compareceu ávido e assíduo, mas cedo a avareza lhe quebrou o encanto, como cântaro da lenda.
Enquanto era sol, não semeou amor e colhe arrependimento. Não cultivou amizade e recolhe desprezo. Não praticou a bondade, nem conheceu a beleza. Foi superficial em tudo, menos no amealhar.
Onde as boas memórias deveriam florir para aquecer seu inferno, só encontra remorso.
Consulta o céu e não enxerga estrelas. Procura a lua cheia e é quarto minguante. Indaga da luz e só recebe a resposta da sombra. Busca o verde e descobre cinza. E, no canteiro de cardos que não foram plantados, nasceu um pé de Solidão junto dum pé de Tristeza.
Aí começa o drama.
Carente de ternura, com lábios queimados de todas as taças, a boca lembrada de muitas bocas, as mãos vazias, o coração enfermo, olha em torno e só encontra uma réplica negativa, uma voz que vem de dentro de si mesmo, na terrível tomada de consciência, que é antes uma profunda auto-acusação retardatária.
Quer voltar, não pode; o tempo impiedoso é irreversível e marcha sempre. Ninguém lhe pode impedir a caminhada ameaçadora dentro da escuridão. Traz no bojo um monstro que se chama medo e que vai ser solto pela boca da noite e vai crescer pelas horas mortas da madrugada.
Na distribuição de sentimentos entre os que o cercam como numa festa de prendas, nem ódio mereceu. Só indiferença. Na hora da classificação, foi esquecido. Porque no instante da decisão omitiu-se. Na hora da escolha, falhou. No momento da palavra solitária, silenciou. Na vez do gesto de ajuda, a mão encolheu.
Nas bodas, foi o Egoísta; na família o Indesejado; nas ocasiões generosas da filantropia o Grande Ausente; nos festejos do congraçamento nacional, o Apátrida.
O homem é o espectro do homem.
A mulher que não suportou a opressão, a vileza e a miséria, partiu.
Os filhos desgarraram, não encontraram o caminho de volta, enjoado e temeroso. Esperam aflitos os momentos da participação.
Amigos não aparecem.
Sozinho, sem mulher, sem filhos, sem amigos, cantar já não sabe, orar nunca soube, ajudar nunca pôde. E a língua que recriminava fácil, que era rápida na acusação e fluente no ataque, está muda. A mão que era leve na punição injusta está impotente. Os olhos indiscretos que humilhavam estão cegos. No abraço egoísta, perdeu o calor do seu próprio corpo. A antiga força é uma sombra vã.
Não ouve, não vê, não fala, não anda.
Aprendeu a chorar, nesta hora do sol posto. Sentado numa arca abarrotada, aguarda a noite que se aproxima com seu cortejo de pavores, carregada de ടെസേസ്പെരോ.
De Relembranças
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