SEMPRE MILTON DIAS

José Milton de Vasconcelos Dias (*29-04 1919 - Ipu - CE; +22-03 1983 - Fortaleza - CE ).

Após iniciar os estudos na cidade de sua infância, Massapê, vem para o Colégio Castelo Branco em regime de internato.

A experiência da infância em meio à paisagem sertaneja, seus mitos e ritos, lendas e cantorias, foi fundamental para a formação de sua sensibilidade criadora, uma vez que despertaria, no futuro cronista, a inclinação para o lirismo, o poético.

No Colégio Marista Cearense, onde realizou os estudos secundários, descobriu, em definitivo, a vocação da escritura. Sendo fundador dos jornais ´O Ideal´; e ´Alvorada´.

Em Paris, cursou os Estudos Superiores Modernos de Língua Francesa e Literatura Francesa.

O Governo francês o condecorou com a Ordem das Palmas Acadêmicas.

Foi professor de Língua e Literatura Francesa no Curso de Letras da UFC.

Bacharel em direito (1943), Letras (1966), professor secundário no CE e SP, tradutor, diplomado em letras neolatinas. Cursou Faculdade de filosofia. Técnico educação UFCE, secretário UFCE, contista, cronista, ensaísta, orador, jornalista, fundador e membro do Grupo Clã-movimento renovador das letras cearenses. Membro da Academia Cearense de Letras- cadeira nº 4- e Associação Cearense da Imprensa.


sexta-feira, 4 de junho de 2010



As três soluções

Os amigos, que eram três, cansados da inútil busca, aportaram num bar vazio, silencioso, e de repente, derramaram a sua confissão de solitários perdidos nos caminhos da noite e concluíram, quase sem preâmbulo, que nem a presença mútua, nem a solidariedade, nem a bebida, nem as mulheres, nem os amigos, nem as sombras, nem as músicas numerosas que colheram por onde passaram, nem os versos que invocaram, nem as alegres lembranças povoavam a sua solidão.
E consumiram o tema com maior avidez do que a bebida e gastaram a experiência longamente acumulada, usaram maduras reflexões que tinham, no principio, um travo de queixa discreta, revelando traiçoeiramente por algumas poucas idéias soltas sem censura.
Depois, por volta da madrugada, quando já tinham gasto muitas palavras (claro que citaram Shakespeare: “words, words, words”), a luz se fez por acaso e descobriram que todos sofriam de desespero congênito para a convivência humana. E porque assim entenderam o destino, o mais lúcido, o óbvio era aceitar, cumprir e fecundar a solidão. Sem violentar a natureza, seguindo o exemplo de todos os que tinham sabido arrancar do seu estado de sós, as forças para enriquecer o patrimônio cultural da humanidade.
E não entenderam a condenação bíblica que está no Eclesiastes “Vae Soli!” e buscaram no mundo confirmação para a tese da validade, até da necessidade da solidão, responsável pela grande contribuição que tem dado ao mundo, que vem dos que, sozinhos, no seu laboratório, se debruçam sobre provetas e descobrem remédios para os males; dos que, sozinhos no seu gabinete, queimam os olhos nos livros e nos seus escritos, os que exercitam as mãos e a mente e a alma no mistério da criação.
Sozinhos estiveram frequentemente Buda e Cristo, sozinho andou São João Batista pelo deserto, sozinhos estiveram Santo Antonio e São Francisco, para citar só estes; sozinhos estiveram Tereza d’Avila e Tereza do Menino Jesus e muitas outras monjas que tiraram da solidão a santidade.
E voltaram ao tema inicial com a insistência e a repetição do Bolero de Ravel e encontraram que a solidão não decorre propriamente da ausência da companhia – e para ilustrar, lembraram a idéia do escritor italiano que define o chato como aquele que nos rouba a solidão sem nos fazer companhia. O que, traduzindo para a nossa língua dá que mais vale só do que mal acompanhado.
Vai ver é mesmo. Entro aqui com a minha opinião muitas vezes verbalmente defendida, discernindo três marcas de solidão.
A primeira, a mais terrível é a que se cumpre a dois, é a melancolia de viver juntos sem diálogo, morar juntos, comer juntos, dormir juntos, acordar juntos, e não ter mais amor, nem amizade, nem palavras – ou, como diz a cantiga brasileira: não ter mais vontade de brigar! – e continua convivendo por conveniência, por falta de iniciativa, por preguiça, por prudência, por circunstancia, por covardia, vivendo literalmente os versos do nosso poeta: “A vida inteira que podia ter sido e não foi”.
A outra, a segunda, a que já todo mundo há de ter experimentado pelo menos uma vez na vida – é aquela de se encontrar só, no meio da multidão, ilhado de gente por todos os lados e continuar só, não ter com quem dividir a alegria nem a tristeza, não ter com quem comentar as coisas mais simples, o tempo, a natureza, o filme ou a peça de teatro que se acabou de ver, o quadro que se admirou, o livro que se leu, a dor que se sofre, a saudade que se cumpre, a esperança que se acalenta, não ter a quem dizer que se está só, não ter a quem pedir esmolas dum olhar, dum riso, duma palavra.
A outra, a terceira, é a fecundante, aquela que se deve exercer com sabedoria, a que ensina a refletir, a usar a cabeça e as emoções em favor próprio ou alheio, a doce solidão intocada, a solidão propriamente dita, física, moral, espiritual, professora dos sábios e dos santos, a companheira dos filósofos, inspiradora dos poetas, a mestra dos profetas, a mãe dos gênios, a respeitável Senhora Solidão. Que pode ser má quando é imposta e repudiada e pode trazer grandeza quando é solicitada, cultivada, desejada, amada. A bendita solidão dos que sabem ser sós.

De Relembranças

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